Cada um de nós carrega consigo situações vividas, imagens, lembranças, pensamentos e certezas das quais não gostamos muito de entrar em contato de forma consciente. Ou seja, momentos e reflexões difíceis de serem “digeridos” e das quais preferimos nos esconder. Afinal, representam a verdade sobre nós mesmos, porém uma parte muitas vezes “pouco nobre”, digamos assim.
Desce cedo, somos ensinados por nossa cultura que o “feio” não pode ou não deve aparecer; pelo contrário, deve ficar escondido. Apenas o “bonito” e o “bom” são dignos de serem mostrados. Algumas vezes devem até mesmo ser destacados e vangloriados. Essa “filosofia de vida” é tão arraigada em muitos de nós que nem nos damos conta disso. Quer ver alguns exemplos? A roupa feia e velha deve ser usada dentro de casa; se você for sair à rua, use uma roupa bonita e apresentável. O pai orienta seu filho para que não conte aos coleguinhas de sala sobre a dificuldade de ler e escrever algumas palavras, mas incentiva a mostrar a eles o quão bem o filho consegue desenhar. A inveja que eu senti do meu colega de trabalho pelo projeto que ele apresentou eu não mostro a ninguém porque é “feio”; mas mostrar admiração é “permitido”/”desejável”. A raiva sentida pelo filho por conta de condutas negligentes de seus pais será melhor encarada pelos outros se ela for anunciada apenas como um desapontamento. Afinal, sentir raiva dos próprios pais é “feio demais”, melhor não demonstrar isso.
E assim vai se dando esse jogo de esconde-esconde. No começo, observa-se um “esconder-se do outro”. É aquela coisa: “- Eu sei que isso não é legal, mas fulano não precisa saber”. Até chegar o ponto em que se observa um “esconder-se de si mesmo(a)”. Nesse momento, a negação é tamanha que a gente pode chegar a, de fato, não “enxergar” nada. E mais: pode acontecer também de não sentirmos nada. Ou seja, inconscientemente, a gente arruma um jeito de nem ao menos sentir. A gente “ignora” o lado ruim / o feio / o desagradável / o que nos incomoda. É como se estivéssemos anestesiados e nada nos toca, nos mobiliza. É a chamada esquiva experencial. É nesse ponto que o jogo do “esconde-esconde” fica mais elaborado e, também, perigoso.
Isso porque, mais cedo ou mais tarde, tudo aquilo com o qual lutamos contra para não enxergarmos, para não termos contato, para não experenciarmos, vem à tona. As desculpas esfarrapadas que inventamos para os outros e para nós mesmos desmoronam de forma semelhante a um prédio sendo implodido. O impacto é grande!
E às vezes somos tão ingênuos que imaginamos que os outros ao nosso redor não estão percebendo nada. Nem todo mundo é bobo como a gente imagina e, claro, identifica nosso “esconderijo”. Por vezes a gente descobre que ela também já brincou (e sofreu) nesse jogo. Já ganhou até medalha de ouro!
Sim, a gente sofre (e muito), nessa “brincadeira”. Sentimentos de incompetência, insegurança, ansiedade, revolta, medo, frustração, dentre outros tantos, podem ser gerados. E a vida vai passando. Quanto tempo já perdemos dedicando-nos a encontrar esconderijos mais “legais”, mais secretos?
Esconder-se de si mesmo(a) é sim uma estratégia que “funciona”, pelo menos a curto prazo e de forma imediata, já que assim a gente não entra em contato com o que nos incomoda, com o que nos machuca. No fim das contas, acaba sendo um “tiro no pé”. Aceitar e enfrentar o “feio” , o “esquisito”, o que não lhe cai bem é que podem trazer paz e tranquilidade de formas mais duradouras.
Todo “esconde-esconde” é temporário. Assim como acontece na brincadeira de criança, chega uma hora em que o jogo perde a graça. A gente cresce e as brincadeiras mudam. Esse é o momento difícil tanto na brincadeira de criança quanto na vida real. Do que vamos brincar agora que o jogo perdeu a graça? Que outra brincadeira vamos inventar? De forma similar, sempre chega uma hora em que o que estava escondido se revela, mesmo contra a nossa vontade, e essa é a hora da verdade. A hora do enfrentamento, de olhar para aquilo que se revelou com força máxima e tomar uma decisão: vou continuar brincando de “esconde-esconde” ou vou experimentar o “pega-pega”?
E você? Vai sair do esconderijo e gritar: “- Um, dois, três salvei todos!”, ESPECIALMENTE VOCÊ MESMO(A)?
Vamos juntos?